segunda-feira, 15 de novembro de 2010

APONTAMENTO

A minha alma partiu-se como um vaso vazio
Caiu pela escada excessivamente abaixo
Caiu das mãos da criada descuidada
Caiu, fez-se em mais pedaços do que havia loiça no vaso.
 

Asneira? Impossivel? Sei lá
Tenho mais sensações do que tinha quando me sentia eu.
Sou um espalhamento de cacos sobre um capacho por sacudir.

Fiz barulho na queda como um vaso que se partia.
Os deuses que háq debruçam-se do parapeito da escada.
E fitam os cacos que a criada deles fez de mim.

Não se zanguem com ela.
São tolerantes com ela.
O que eu era uma vaso vazio?

Olham os cacos absurfamente conscientes.
Mas conscientes de si-mesmos, não conscientes deles.

Olham e sorriem.
Sorriem tolerantes à criada involuntária.

Alastra a grande escadaria atapetada de estrelas.
Um caco brilha virado do exterior lustroso, entre os astros.
A minha obra? A minha alma principal? A minhqa vida ?
Um caco.
E os deuses olham-nos especialmente, pois não sabem porque ficou ali. 

 Fernando Pessoa

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